Caro Mário Crespo,
O seu programa ‘Plano inclinado’ / SIC Notícias ofende o direito dos cidadãos portugueses a uma informação plural e rigorosa. De facto, os economistas ‘residentes’ no seu programa representam apenas um segmento de opinião. Mais ainda, os pressupostos teóricos e políticos em que se baseiam mas que nunca explicitam, envolvidos em juízos de valor sobre o que entendem dever ser a política económica do País, constituem pura ideologia neoliberal. Para o caso de não saber o que é o neoliberalismo, recomendo-lhe uma pesquisa neste blogue.
Não fui ler o contrato de adjudicação à SIC de um bem público (o “sinal”) que lhe permite fazer negócio com a informação que transmite, mas de uma coisa estou certo: o seu programa é pura propaganda ideológica que manipula a mente dos cidadãos e os faz aceitar como inevitável uma próxima intervenção do FMI em Portugal. Como é óbvio, os grupos económicos abrigados da concorrência, com os bancos à cabeça, estão-lhe gratos pelo serviço prestado: um serviço de propaganda neoliberal que manipula a opinião pública usando um bem público.
Mário Crespo, a situação do País é realmente grave mas os cidadãos portugueses têm direito ao debate de ideias alternativas para poderem fazer escolhas políticas informadas. Têm direito a outras análises que não tratem a economia de um país como se fosse uma “economia doméstica”. Se um professor universitário utilizasse esse tipo de metáfora para ilustrar as matérias de Introdução à Economia (ou de Macroeconomia) numa licenciatura de uma universidade credível teria de ser severamente repreendido pelo Conselho Científico da faculdade/departamento. Se o fizesse numa reunião científica internacional provocaria uma gargalhada da audiência.
Como é natural, o Mário Crespo não sabe que, na situação de estagnação em que estamos após uma gravíssima recessão global, a redução em larga escala da despesa pública nunca irá melhorar o saldo do Orçamento nem reduzirá a Dívida pública. Pelo contrário, fatalmente agrava-os. Não lhe vou explicar aqui este mecanismo. Apenas lhe peço que repare nos casos da Irlanda, Grécia e Hungria após a aplicação das chamadas “medidas de austeridade”. Afinal não foi suficiente! Vão ter de fazer ainda mais cortes na despesa pública. Que vão gerar decréscimo do Produto e, por isso, menos impostos e mais despesa em subsídios de desemprego. Já estão lançados numa espiral de desastre empurrados pela economia política dos anos trinta do século passado que hoje domina a Alemanha e outros países europeus, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, a OCDE e o FMI.
Mas, como jornalista de um programa de economia, o Mário Crespo tem obrigação de acompanhar o que Paul De Grauwe ou Robert Skidelsky têm escrito. Pelo menos deveria ler as colunas de opinião do Financial Times e The Guardian. Se o fizer, ficará a saber que a economia é uma ciência plural e que há argumentos que pulverizam a retórica de “donas de casa” com que Medina Carreira e João Duque ‘fazem a cabeça’ de muitos portugueses … incluindo a sua.
Caro Mário Crespo, é tempo de dizer basta. Se não quer fazer um programa em que o pluralismo de análise económica e de políticas seja real - no que conta, José Silva Lopes é mais do mesmo embora com mais inteligência e sensibilidade social - então só nos resta apelar para a entidade reguladora da comunicação social. Porque quem percebe alguma coisa de economia não pode estar sujeito a ouvir da boca de Medina Carreira, com o silêncio conivente do Mário Crespo, que os economistas que dele discordam são uns “trafulhas”. O contrato de exploração da SIC obriga-a a respeitar o pluralismo de opinião e a tratar com decência os telespectadores.
Cumprimentos de um economista atento e razoavelmente informado.
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