Segunda-feira, 24 de Março de 2008

AL BERTO

A ESCRITA

 

a escrita é a minha primeira morada de silêncio
a segunda irrompe do corpo movendo-se por trás das palavras
extensas praias vazias onde o mar nunca chegou
deserto onde os dedos murmuram o último crime
escrever-te continuamente... areia e mais areia
construindo no sangue altíssimas paredes de nada

 

esta paixão pelos objectos que guardaste
esta pele-memória exalando não sei que desastre
a língua de limos

 

espalhávamos sementes de cicuta pelo nevoeiro dos sonhos
as manhãs chegavam como um gemido estelar
e eu perseguia teu rasto de esperma à beira-mar

 

outros corpos de salsugem atravessam o silêncio
desta morada erguida na precária saliva do crepúsculo

 

 

HOJE É DIA

 

hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme da terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira

 

na aldeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos presos dentro das chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos
e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos às pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
e o brincar agitado do sol nas mãos das crianças descalças
hoje

 

 

É NO SILÊNCIO

 

é no silêncio
que melhor ludribio a morte

 

não
já não me prendo a nada
mantenho-me suspenso neste fim de século
reaprendo os dias para a eternidade
porque onde termina o corpo deve começar outra coisa outro corpo

 

ouço o rumor do vento
vai
alma vai
até onde quiseres ir

 

 

MUDANÇA DE ESTAÇÃO

 

para te manteres vivo - todas as manhãs
arrumas a casa sacodes tapetes limpas o pó e
o mesmo fazes com a alma - puxas-lhe o brilho
regas o coração e o grande feto verde-granulado

 

deixas o verão deslizar de mansinho
para o cobre luminoso do outono e
às primeiras chuvadas recomeças a escrever
como se em ti fertilizasses uma terra generosa
cansada de pousio - uma terra
necessitada de águas de sons afectos para
intensificar o esplendor do teu firmamento

 

passa um bando de andorinhas rente à janela
sobrevoam o rosto que surge do mar - crepúsculo
donde se soltaram as abelhas incompreensíveis
da memória

 

luzeiros marinhos sobre a pele - peixes
que se enforcam com a corda de noctilucos
estendida nesta mudança de estação

publicado por Manuel M. Oliveira às 00:49
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